Mausoléu


Não acreditava muito no que estava realmente acontecendo. Tanto tempo que isto não acontecia. Era uma sensação pavorosa e, ao mesmo tempo, tão cômica. Na verdade beirava o ridículo, apesar de ser um ridículo que há muito eu procurava. Não tinha mais palavras para conduzir aquela situação, a retórica tinha acabado, a eloqüência me abandonado e o jogo de persuasão desprovido de sentido. Então porquê daquela situação? O porquê das mãos no bolso e depois segurando a alça da mochila? Dava para sentir a força desmedida da pulsação no pescoço, melhor ainda, eu sentia a pulsação do coração no corpo inteiro. Tudo tão pré-púbere. O olhar não se focava mais, o sorriso amarelo que se mostrava no canto da boca, fruto do constrangimento, era trêmulo.

Eu estava bobo como uma garota. Nem mais das circunstâncias eu conseguia me aproveitar, manipulando-as. Pensei que depois de um bate-papo despretensiosamente sugestivo, o imã dos dois lados reagiriam por si só. Até cogitei a possibilidade de ser uma falta de ‘ok’ da parte de lá, porém mais ‘ok’ do que aquela imagem na minha frente, mutuamente imóvel e que estava à espera de uma ação para deflagrar a sua reação, era aguardar uma autenticação feita em cartório. A situação não dependia mais de um ‘clima’, transcendia a isso.

Inicialmente era um cortejar simples, discreto e não menos intencional. Era uma troca de divagações confidenciadas, na busca de uma pseudo-intimidade. Depois de tanta elucidação de nós mesmos para o outro, de um jogo de espera, de possibilidades, oportunidades e, principalmente de conveniência, é que sou agraciado pela sorte do destino de não somente sentir o aroma de um desabrochar de uma Rosa, mas presenciar de perto, como lentamente suas pétalas transmutaram-se, até alcançar sua plenitude. Agora é um enfrentamento direto, olho no olho e com direito a atos falhos, sem distrações ou desculpas e desarmados do recurso do encontro casual.

Presentemente estou aqui, em frente o portão de sua morada e, entendendo por que este (portão) é tão citado, mesmo como coadjuvante, por poetas Seresteiros. É testemunha muda de um universo cansativamente singular, de um fazer e não fazer. Neste momento faço uma série de simulações de porcentagens e possibilidades de resultados satisfatórios na minha imaginação, caso eu tivesse me precipitado em favor de um ultimato.

Não consigo tirar da cabeça a cena de um Filme,
Dr. Hitch, Conselheiro Amoroso, quando ele diz da mulher que está parada na porta da casa dela com você e segurando a chave na mão, é que ela espera algo acontecer, uma iniciativa sua, uma abordagem direta, segura, certeira, seca, abrupta. Nunca fui muito bom em seguir conselhos ou exemplos, algo sempre me faz sair fora da trilha. Inclusive até pensei em fazer um pedido e, pedir justamente aquilo que eu mais queria na vida, naquele momento. Fazer do Ursinho Pooh uma referência e, da mesma forma que ele insistentemente pedia para Abel por mais um pote de mel, eu pediria a ela o que de mais doce poderia ter, seus lábios. O que também não aconteceu.

Entretanto, não existia mais a necessidade de adiar as coisas, na verdade nunca houve esta necessidade, sobretudo de contar com o amanhã como aliado para um fazer acontecer. Deixando-me tomar pela impetuosidade e abstendo-me das balelas que o medo produz na mente para o não agir, fui de encontro ao ‘pote de mel’ e confesso que quase o congelei, quando eu coloquei minhas mãos sobre este, pois estavam tão frias. O melhor de tudo estava para acontecer, quando eu interrompi o que tanto demorou a realizar-se, para enfatizar o que não era segredo, e um “eu estou nervoso” foi o que eu disse. Palavras repletas de magia, nostalgia, poesia e, em especial, dotadas de um misto de ingenuidade, honestidade e sinceridade que temia ter perdido.

Apesar de toda esta intensidade e caos comportamental de minha parte, ao que tudo indica, foram apenas obstáculos unilateralmente criados e tampouco suficientes para fazer desta situação, algo mais do que uma simples experiência de vida.

Cortinas de Seda


É triste ter que presenciar a pessoa que mais queremos perto de nós, nos evitar. Confesso que inicialmente no nosso relacionamento, ou melhor, em todo nosso relacionamento eu fui apático. Fui ridiculamente indiferente, não levei em consideração os sentimentos dela em relação a nós dois, seu bem-estar, seu conforto, sua alegria, sua cumplicidade; nem ser seu amante de fato eu consegui. Longe disto! Tratava-a quase como uma boneca inflável, procurava-a esporadicamente, talvez para desejar, por telefone, uma boa noite ou para um pedido de pesquisa na internet. E quando paro realmente para pensar no que se passou, sequer consigo lembrar de algum beijo ardente, ou de um beijo decente. Tudo tão mecânico, tão chato, parecia conveniência pura, uma satisfação social e egoísta.

Não me sentia inspirado a manter aquela cadência machista que me movia quando a vi pela primeira vez, tão solitária e sedenta de calor humano, desprotegida, cabeça baixa, sozinha e o melhor, solteira. “Queria protegê-la com meu sentimento e me embriagar com o teu perfume”. Aquela cena me motivava, despertava um ‘cosmos’ interior tão fantástico e desconhecido, era uma impulsão a cada momento, a cada suspirada e a cada centelha de raio de sol. Era uma surpresa imediata a cada ação que eu fazia por e para ela. E quando assustei, descobri que minha existência restringia-se a um sorriso que ao menos era o meu, e que meus sentimentos por ela se resumiam a um clichê sobre amor, em que só passando-se por tal situação, este pavoroso clichê reveste-se de outras conotações.

Era indescritível. Porém era algo que contagiava. Consegui involuntariamente contaminar a todos com aquele sentimento, como se eu fizesse com tudo que me cercava se apaixonasse também, na qual a própria Natureza esforçava-se para eu realizar aquela missão, que seria certamente mais gratificante que o término dos 12 trabalhos de Hércules. De súbito, era “como se o teu corpo sedutor passasse a ser o meu costume, um sonho lindo que eu gostava de sonhar”. E com o tempo deixou de ser um sonho, apesar de que todas as vezes que eu a via na minha frente, ela mantinha uma áurea onírica em volta de sua imagem. Antes de tudo, ela sempre foi um pensamento gostoso, a própria felicidade arraigada na possibilidade de “ouvir sua voz em cada amanhecer e do lado dela ver a vida acontecer”.

Pior que ter de afirmar isto tão claramente, é não ter percebido os fatos antes de desenrolarem, acontecerem e me deixar assim, jogado as traças da solidão. Eu ao menos tive a hombridade de reconhecer os gritos do relacionamento, as lágrimas dela almejando tempero em nossa convivência. Lembro do seu lamento, de suas conversas cansativas do presente momento. Fingia que não a ouvia, porém, lá no meu íntimo mais profundo, não negava nada do que ela reclamava. Era tudo verdade. Nunca entendi o porquê de meu comportamento tão ‘meia-boca’ com um relacionamento que teve um sentimento de origem tão agradavelmente destruidor.

Agora olha só para mim! Depois de perdê-la por não te ouvido-a, e ao menos quis saber. O que eu fiz com seu amor? O que eu fiz comigo? E o seu coração já possui um novo amor. E pensar que eu joguei fora tudo que me deu, juntamente com você. Observando sua nova caminhada e com uma recíproca razão guia de viver, penso que não posso fazer nada e que é tarde demais. Por mais que eu esteja disposto a te mostrar o quanto eu sempre quis e quero você, está contigo, fazer de minha presença ao seu lado um blá blá blá de amor e esclarecer os porquês de minha insensibilidade primeira, não tem como! Apesar de que sua felicidade fora de minha jurisdição me faz chorar. Mesmo ouvindo suas palavras recheadas de eufemismos terapêuticos, quando me falava que não dava mais, que perdi e que não fazia mais sentido está junto a mim, à dor foi inevitável.

E para fugir da moléstia do desespero causado pela dor de minha memória, pelos mementos não valorizados, pelo prêmio conquistado e ter feito do troféu um item de reciclagem, é que tenho de matá-la em minha mente, em minha vida e de meu passado. Preciso viver, respirar, caminhar, endireitar, transpirar, renascer, transar e para tanto tenho que deixá-la mais do que para trás, superá-la ou suprimi-la, mas sim anulá-la, apagá-la, por que trazer a tona memórias e lembranças é reviver o passado e por conseqüência não ter presente, e na ausência deste, se privar da única arma capaz de fazer do futuro um espaço decente para ser feliz. E pensar que o destino matou um sonho bom que um dia eu sonhei.





Numa garimpagem excêntrica, numa tentativa rústica de identificar o desnorteio (da psique) de um outrem que, em meio a confusão da dor, do ser, do vir e do está é que buscamos os melhores contos, histórias, realidades, fantasias, dramatizações, drasticidades e a honestidade do amargo, na qual somos complacentes do contexto ímpar, porém não único da vida de um HOMEM, de sua "catarse" sentimental diante de um balcão de bar.


Rodolpho Bastos
&
Tim Pires

Afinados

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