Tango


Não foi a primeira vista. Longe disto. Era um desacordo seguido de outro. Eu não conseguia entender e, muito menos esforçava-me em querer compreender as nuances do que ou quem mostrava-se aos meus olhos. Pensava ser mais simples encontrar seus pontos e frases de efeitos, em que decorar milimétricamente sua superfície, facilitaria seu entendimento. Uma apreensão rasa e equivocada de seu mundo. E quando cansei de me perder, por conta da insistência desta “decoreba burra”, me dei ao trabalho de aprender um pouco. E estava seguro das surpresas, que a todo momento apareceriam, e de um conseqüente turbilhão de sentimentos ideários de extroversão.

Mesmo assim, fui tomado por uma paixão arrebatadora e sem escrúpulos. Uma atormentadora poesia [quase] capaz de emoldurar e situar o intangível espaço/tempo. E quando ousei um segundo passo para conseguir dar meu primeiro mergulho em águas mais profundas de um oceano preguiçoso, percebi no ‘íntimo’, que sentimentos ideários de extroversão são filhos, intencionais ou não, de uma “propaganda demodê e enganosa”.

Diante desta situação de estranhamento por não conseguir aplicar valor ao belo apresentado, entendo o porquê tantos abandonaram esta ousadia, qualificando suas ações em frustrações. Porém, a frustração estava fora de cogitação, pois o que frustrava uma maioria, encantava uma minoria. Era este movimento ininterrupto de seu mistério que amadurecia cada momento os nossos corações. Uma mixagem intempestiva de euforia, encantamento e enigma, que deixavam-se orquestrar num ritmo dançante, como se em nossas veias circulassem sentimentos inimitáveis.

Certamente ela conseguia responder todos os meus questionamentos dos porquês as pessoas se casam; pelo menos era uma justificativa mais aceitável. E com ela me ‘casei’. Fazíamos um do outro sua testemunha viva, seu porto seguro e inspiração para as conquistas da vida. Vitórias que somente ganham conotação de importância quando temos com quem partilhar. Era o ventre e vazão dos meus sonhos, e eu a semente e sustentação de sua existência.

Frutos. E somente frutos era o melhor que ela pode me deixar. Numa ‘tragédia’ prevista, fomos acometidos por uma fatalidade e eu presenciei sensorialmente sua vida esvaindo-se, como se escorresse pelo ralo de um banheiro fétido. Lembrar da dor que sentir quando ela partiu, é agonizar com uma coroa de espinhos na cabeça. É ter a vontade de transgredir o sagrado, sentir uma pesada dor nos dedos ao escrever uma carta-testamento e me deprimir com um malogrado ponto final.

E aquela pequena criatura, fruto maior de nosso emaranhado calor, é uma hospedeira inata de sonhos outrora sonhados e um amontoado conteúdo correlato, resultado de nosso capricho [des]pudorizado. Entretanto, não era simples ignorar a falta que ela me fazia e de todos os predicados de conforto transcendente que, ao mesmo tempo, me era dado. E somado a isto, ver nosso ‘filhote’ se perder em trevas e desespero, em função do largo tempo que se passou e do distanciamento; do mesmo modo, a sua não-sociabilidade, sendo um inconveniente para o seu crescimento/prosseguimento.

Tudo isto alimentava uma probabilidade certeira para seu definhamento racional. Afogava-se em uma desesperança silenciosa e comum aos conteúdos sem cascas, disformes em formatos e multifacetados em sua essência. E um grito ‘rasgante’ sobrepuja o silêncio de seu desespero e com um toque de classe, recusa-se a existir.

Numa [relativa] pequena saga, o desvanecido destino me ‘castrou’ pela segunda vez, transfigurando minha vida numa substanciosa caricatura. E foi com maestria que o [des]virtuoso vento do norte preencheu o desvão – entre o início de minha história e o presente – com um sentimento ‘Tango’. ‘Um pensamento triste que se pode dançar’.


Copo Americano


Era uma situação inversa, no mínimo menos habitual do que normalmente acontece. Desta vez a vitima era uma descendente de Eva e não um varão, herdeiro do trono de ‘trouxa’, pertencentes aos filhos de Adão. Reconheço o esforço dela para ser discreta naquela arrebatadora paixão cega, mas para as pessoas mais próximas, mais coniventes com suas ações e indubitavelmente confidentes, seu comportamento era gritante e de fácil verbalização.

Mesmo assim, não era simples observar o que acontecia, exatamente por não compartilhar de seu grupinho seleto de ‘segredinhos’. Da mesma forma, também se deve a minha inflexibilidade em relação a uma possibilidade de tormento e dor, no seio daquelas que com facilidade, competência e freqüência, faz de nós, homens, bons em conviver com um estranho amargo sabor da derrota.

Elas que historicamente fazem de nós homens, um simples ornamento para sua figura e ‘ego’, que sempre tem nas mãos as mais variadas ferramentas para apreensão, envolvimento e fidelização de um rebanho do sexo oposto. Com ela verifica-se que este clichê temporal não tem validade, é apenas uma balela abstrata que não encontra prática quando direcionada a quem se deseja.

Na espera de uma oportunidade, ela se camuflava de uma amiga, melhor amiga ou a mais confiável, algo que a fizesse estar perto dele, de quem torce por ele. Porém as conseqüências não eram legais. E ele com sua popularidade, fruto de seu carisma sorridente, e mesclado pela suas ações desprovidas de preocupações, acomodava-se nas ‘permissões’ que sua imagem lhe permitia.

Pior do que presenciar ela ceder à insistência dele para que servisse de intermédio para outras garotas, ou se permitindo ficar junto de garotas quaisquer na sua frente, era saber que ele fazia isso consciente dos sentimentos dela para com ele. Ver a ‘secura’ de seus olhos, era entender esforço que fazia de não demonstrar dor com lágrimas, em que ser discreta era seu lema pessoal, para demonstrar/representar que ele era um passado já superado, mas era inútil.

Nestes momentos presenciados, onde o ponteiro referente aos segundos parece percorrer uma circunferência do tamanho de Júpiter, é que sua mente deve reconhecer que o termo Caos, está mais para um conceito do que para qualquer outra coisa. É refazer em sua mente o percurso de sua história até aquele momento. Lembrar de situações de embriaguez mútua, trazendo para o campo da simplicidade um ‘mísero’ ato de ‘ficar’ junto de quem tanto se quer.

Não dava para saber o tamanho do limite de seu orgulho. Parecia não ter fim, permitia muitas coisas e situações dolorosas que necrosavam seu coração e sua sensibilidade para o bom senso. Sequer era passível de sentir a preocupação daquelas [amigas] que incansavelmente se perdiam em investidas, na tentativa de devolver-lhe o discernimento.

E depois de tanto labutar a espera da oportunidade perfeita, de tanta dor refletida em lágrimas detidas de se mostrarem, de tanto ‘ficar de graça’ pra ele é que ela, num gole seco de saliva permitiu-se a sentir uma última dor. A famigerada dor de terminar um sonho, um projeto e um caminho sem ao menos ter de fato começado, e ao lado dele.

Não dava mais para fantasiar a realidade com uma névoa onírica. Ela tinha de entender que se deixar a mão no fogo, certamente vai doer mais cedo ou mais tarde, e de uma forma interessante doeu mais cedo, entretanto, ela só gritou e tirou a mão mais tarde, na qual ficou agonizando durante um bom tempo. E como diz o Poeta “a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional”, pelo menos esta era a sua nova fé.

Numa garimpagem excêntrica, numa tentativa rústica de identificar o desnorteio (da psique) de um outrem que, em meio a confusão da dor, do ser, do vir e do está é que buscamos os melhores contos, histórias, realidades, fantasias, dramatizações, drasticidades e a honestidade do amargo, na qual somos complacentes do contexto ímpar, porém não único da vida de um HOMEM, de sua "catarse" sentimental diante de um balcão de bar.


Rodolpho Bastos
&
Tim Pires

Afinados

Tecnologia do Blogger.