Era Uma Vez...


Era uma vez um som cadenciado, estalos cada vez mais agudos e que flertavam sistematicamente com estrondos mais ocos, um barulho que causava uma sensação estranha, em especial e neste momento, no partir do Sol. O Céu parecia um grande borrão avermelhado, lembrava tristemente uma lágrima de sangue. Na tentativa de encontrar o motivo de tanta agitação para os meus ouvidos, esbarro na brutalidade. E todo aquele estardalhaço resumia-se em colocar uma existência no chão, fazer de uma história de companhia e conforto um amontoado de estilhaços.

Desde que me entendo por gente, ele sempre esteve ali, no seu refúgio único, imóvel, desprovido de quaisquer intenções que não fosse a de se sentir bem somente com espaço que tem, assim como, o que ele é apenas em si e por si, mesmo sendo o pilar único e necessário para sua própria alegria de ser e existir. Alienado e feliz, este parecia ser o seu lema, pois era como se comportava diante de tudo que acontecia a sua volta. Dono de uma indiferença mortal e distinta. Na realidade era uma apatia muito complacente com qualquer dor que fosse levada aos seus ouvidos.

Tinha uma presença que clareava qualquer dúvida, um espírito forte e bem resolvido que conseguia dá norte toda falta de direção, sem sequer arranhar sua autonomia. Com a permissão dele derramei minhas primeiras lágrimas de ressaca moral, chorei a perda dos entes mais queridos que um dia me fizeram sorrir. Na sua companhia eu flertei desconcertadamente pela primeira vez, foi testemunha de meu primeiro beijo e o único que não duvidou da perda de minha virgindade.

Com ele vi de perto o atropelamento de meu primeiro cãozinho, ainda filhote, e ainda foi vítima do esguicho de sangue por conta do tamanho e velocidade do carro e, com isso, ficou todo sujo, igualmente a mim. Era alvo do blá blá blá dos meus pensamentos, em voz alta, das reflexões diárias daquilo não conseguia compreender, do "vê para crer" nas coisas e de análises errôneas sobre comportamentos e o funcionamento do todo.

Certamente me viu chorar escondido, depois de eu ter assistido filmes 'bestas', daqueles de finais tradicionalmente felizes [de viverem felizes para sempre], compartilhou comigo o mesmo não entendimento do meio e, principalmente, do final da novela Cubanacam. Não consigo me lembrar do quanto esquentei seus ouvidos com minhas histórias de amores mal e não correspondidos e das tristezas que isso me causava. Ali, com ele, eu literalmente descarregava todo o peso de minha vida e de meu amador modo de viver grosseiro e ingênuo.

Eu ao menos tive a oportunidade de dizer isto para ele, do quão especial ele se tornou e, de tal forma, que ainda faz o intermédio de minhas ações. Queria poder falar com ele uma ultima vez, mas não aquelas mesmices em que estava acostumado a ouvir de minha parte e sim um obrigado com letras maiúsculas. Todas as vezes que saio de casa, exatamente na porta, do meu lado direito, é inevitável, tenho de olhar para aquele vazio e sentir um aperto na garganta e uma sensação estranha no peito. Enfim, nada está lá, somente às marcas de quem um dia por tanto tempo viveu naquele lugar. E hoje, o que posso dizer senão que tenho saudades de meu banco!






Numa garimpagem excêntrica, numa tentativa rústica de identificar o desnorteio (da psique) de um outrem que, em meio a confusão da dor, do ser, do vir e do está é que buscamos os melhores contos, histórias, realidades, fantasias, dramatizações, drasticidades e a honestidade do amargo, na qual somos complacentes do contexto ímpar, porém não único da vida de um HOMEM, de sua "catarse" sentimental diante de um balcão de bar.


Rodolpho Bastos
&
Tim Pires

Afinados

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